quinta-feira, 6 de março de 2014

Os diferentes conceitos de Deus


Atualmente, a humanidade adora cerca de 10.000 deuses. Isto não significa, por óbvio, que existam necessariamente 10.000 religiões: acontece que muitas delas são politeístas, isto é, pregam a existência de vários deuses (ao menos mais do que um).
Até mesmo por existirem tantos deuses, o conceito deus varia: em características, em poderes, em formas de agir (ou não) sobre a natureza, etc. Não é a toa que a definição do conceito de divindade é extremamente vago. Segundo a Wikipedia:
Divindade é um ser sobrenatural, usualmente com poderes significantes, cultuado, tido como santo, divino ou sagrado, e/ou respeitado por seres humanos. Normalmente as divindades são superiores aos seres humanos e à natureza.
Divindades assumem uma variedade de formas, mas são freqüentemente antropomorfas ou zoomorfas. Uma divindade pode ser masculina, feminina, hermafrodita ou neutra, mas é usualmente imortal.
Por vezes, as divindades são identificadas com elementos ou fenômenos da natureza, virtudes ou vícios humanos ou ainda atividades inerentes aos seres humanos.
Assume-se que uma divindade tenha personalidade e consciência, intelecto, desejos e emoções, num sentido bastante humano desses termos. Além disso, é usual que uma determinada divindade presida sobre aspectos do cotidiano do homem, como o nascimento, a morte, o tempo, o destino etc. A algumas divindades é atribuída a função de dar à humanidade leis civis e morais, assim como serem os juízes do valor e comportamento humano.
É também comum atribuir às divindades, ou a interações entre elas, a criação do universo e sua futura destruição.
Contudo, meu foco neste artigo é o monoteísmo, que é a crença na existência de apenas um deus. E, mesmo aqui, a coisa é mais complicada. O conceito deus varia dentro da própria religião conforme o tempo e até mesmo conforme a pessoa. Por exemplo, hoje a Igreja Católica Romana (ICAR) aceita perfeitamente que existam leis da natureza, isto é, regras que a natureza imporia sem a necessidade da intervenção de deus. Contudo, isto já foi diferente, como pode ser visto na citação abaixo.
Com efeito, em 1277 o bispo Tempier de Paris, sob as instruções do Papa João XXI, publicou uma lista de 219 erros ou heresias que deviam ser condenados. Entre as heresias estava a ideia de que a natureza segue leis, porque isso entra em conflito com a onipotência de Deus. Curiosamente, o Papa João foi morto pelos efeitos da lei da gravidade alguns meses mais tarde, quando o telhado de seu palácio caiu sobre dele.
Stephen Hawking e Leonard Mlodinow, The Grand Design, página 15.
Pode parecer engraçado, mas isto realmente aconteceu. Alguns poderiam dizer até que “deus não gostou da postura do Papa e mostrou a ele”, contudo isto não passou de pura coincidência. Uma fina e caprichada ironia do acaso, diria eu.
A ICAR, diga-se de passagem, sempre foi oportunista. Toda e qualquer crença que permanecesse à sua expansão acabava sendo absorvida por ela. Isto aconteceu, por exemplo, tanto com o Papai Noel, quanto com o coelho da páscoa. Hoje, ela tenta pegar elementos da ciência para dar uma “roupagem de algo confiável”, ou até mesmo para querer justificar ou provar a existência de deus (o que também acaba a transformando, por tabela, numa grande confusão de crença religiosa e pseudociência).
A variação do conceito deus conforme a pessoa já funciona de forma um pouco diferente. A questão é que, mesmo dentro de uma mesma religião, cada pessoa tem um conceito de deus diferente, mesmo que nos detalhes.
Algumas pessoas veem deus como um ser de infinita bondade, sem qualquer tipo de maldade.
Este tipo é o mais fácil de refutar, bastando para isto o uso do chamado Paradoxo do Mal ou Paradoxo de Epicuro.
Deus deseja prevenir o mal, mas não é capaz? Então não é onipotente. É capaz, mas não deseja? Então é malevolente. É capaz e deseja? Então por que o mal existe? Não é capaz e nem deseja? Então por que lhe chamamos Deus?”
Epicuro de Samos
Outras pessoas já veem deus como um ser de infinita bondade, mas com planos divinos, os quais seriam uma espécie de mistério (ninguém sabe quais seriam estes planos) e isto obriga-o a permitir o mal em nome de um “bem maior”.
Outras, têm uma visão muito próxima à anterior, apenas com uma diferença: ao invés de apenas permitir, deus seria o responsável por fazer o mal em si. Mas, claro, sempre em nome de um “bem maior”.
A questão aqui é que esta ideia é extremamente vaga: que “bem maior” seria este? Que “planos divinos” seriam? Qual a finalidade disto tudo?
Quando tais perguntas são feitas a pessoas que têm este conceito de deus a resposta costuma ser mais vaga ainda: “deus escreve certo por linhas tortas”, ou simplesmente “é o mistério de deus”. O que não faz qualquer sentido, pois como alguém pode afirmar que uma criatura que sequer pode ser conhecida existe? Afinal, ele não pode ser conhecido.
Por estes motivos, estes conceitos são bem mais difíceis de refutar, senão pela completa ausência de evidência de uma inteligência por trás da natureza, ou de algo que a manipule.
Outras pessoas já veem deus como um ser realmente mal, vingativo e a quem deve-se temer (isto é: ele deve ser temido). Ele continua com planos divinos, os quais ainda seriam desconhecidos.
Este conceito de deus é ainda mais facilmente refutado, pela simples existência de ateus. Por isto mesmo é que alguns religiosos, particularmente evangélicos, ficam tão furiosos quando alguém se assume como ateu.
Outras pessoas já veem deus como um ser que criou o universo, se aposentou pelo resto da eternidade e que não intervêm na realidade.
Este conceito de deus é o dos deístas, o qual só seria alcançado pela razão, lógica e ciência. Segundo a Wikipedia:
O deísmo é uma postura filosófica que admite a existência de um Deus criador, mas não nega a realidade de um mundo completamente regido pelas leis naturais e científicas, como pensam os ateus. Em outras palavras, um deísta diria: Não sou ateu, mas só acredito no que a ciência prova.
Os deístas, portanto, não acreditam num Deus interferente, como apregoam as religiões, nem mesmo acreditam que as religiões possam estar certas quanto a se dizerem conhecedoras da Palavra de Deus, ou da maneira como Deus quer que nós ajamos perante a sociedade ou coisas do tipo. Não há quaisquer comprovações científicas da veracidade de tais argumentos. Por exemplo, a ciência nunca provou que o Alcorão ou a Bíblia são a palavra de Deus, e nunca provará (principalmente porque não tem poder para tal), pois isso é algo tido como revelação, e para os deístas não se encontra Deus pela revelação e sim pela razão pois não aceitam nem Bíblia nem o Alcorão como base de fé ou de doutrinas e por isso as desmerecem. Logo, para os deístas, as religiões denominacionais são apenas invenções humanas.
Este conceito de deus é ainda mais difícil de refutar, pois nem mesmo a ausência de evidência de uma inteligência por trás da natureza, ou de algo que a manipule se aplicaria. A única argumentação que conheço que chega bastante próximo de refutar este conceito, sem, contudo, fazê-lo por completo, é o dragão invisível de Carl Sagan. Veja o vídeo abaixo, que mostra exatamente esta narrativa.

Ora, qual é a diferença entre um dragão invisível, incorpóreo, flutuante, que cospe fogo atérmico, e um dragão inexistente?”
Carl Sagan
E estes foram apenas alguns das centenas, senão milhares, de diferentes conceitos de deus que as pessoas têm. Eu diria que são apenas os mais comuns. Por isto mesmo que é tão difícil refutar, de uma vez por todas, a existência de um deus: sempre sobrará um conceito que seja ao menos um pouco diferente e, por isto, sobreviverá.
Ainda assim, é bom que se diga: refutar algo e provar a existência deste algo são coisas completamente diferentes. Refutação é feita com a lógica, contudo não se pode provar nada apenas com a lógica: são necessárias evidências para isto. E como você consegue evidências de que algo não existe? É completamente irrazoável. E é exatamente por este motivo que o ônus da prova recai sempre em quem afirma (a existência de algo, por exemplo) e nunca em quem a nega. E o mais importante é, sempre, ver o quais são os fatos e o que eles apontam.
Quando você estiver estudando qualquer assunto ou considerando qualquer filosofia, pergunte-se somente isto: quais são os fatos, e qual é a verdade que os fatos sustentam.”
Bertrand Russell
Apenas um adendo final, que pode ser levantado pelo texto: a diferença básica entre ateus agnósticos e ateus gnósticos é que ateus agnósticos não se sentem confortáveis em negar por completo a existência de um deus (seja qual for), com base apenas em ausência de evidências. Afinal…
Ausência de evidência não é evidência de ausência.”
Carl Sagan
Contudo, isto não significa, de forma alguma, que ateus gnósticos precisem ter algum tipo de “fé” na inexistência de deus, que sejam dogmáticos, ou mesmo que eles estejam completamente fechados para a remota hipótese de evidências da existência de tal deus apareçam. O que muda é, apenas, a convicção pessoal (por mais que momentânea) ou a falta dela.
De novo, a única abordagem sensata é rejeitar em princípio a hipótese do dragão, manter-se receptivo a futuros dados físicos e perguntar-se qual poderia ser a razão para tantas pessoas aparentemente normais e sensatas partilharem a mesma estranha ilusão.”
Carl Sagan

Fonte: http://livrespensadores.net/artigos/os-diferentes-conceitos-deus/

Assista os seguintes vídeos e aprenda um pouco mais:

O BUDISMO UMA RELIGIÃO SEM DEUS?

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